terça-feira, 22 de abril de 2014

Cinder

"Cinder" de Marissa Meyer (Planeta)

Sinopse:
Com dezasseis anos, Cinder é considerada pela sociedade como um erro tecnológico. Para a madrasta, é um fardo. No entanto, ser cyborg também tem algumas vantagens: as suas ligações cerebrais conferem-lhe uma prodigiosa capacidade para reparar aparelhos (autómatos, planadores, as suas partes defeituosas) e fazem dela a melhor especialista em mecânica de Nova Pequim. É esta reputação que leva o príncipe Kai a abordá-la na oficina onde trabalha, para que lhe repare um andróide antes do baile anual.
Em tom de gracejo, o príncipe diz tratar-se de «um caso de segurança nacional», mas Cinder desconfia que o assunto é mais sério do que dá a entender.
Ansiosa por impressionar o príncipe, as intenções de Cinder são transtornadas quando a irmã mais nova, e sua única amiga humana, é contagiada pela peste fatal que há uma década devasta a Terra. A madrasta de Cinder atribui-lhe a culpa da doença da filha e oferece o corpo da enteada como cobaia para as investigações clínicas relacionadas com a praga, uma «honra» à qual ninguém até então sobreviveu. Mas os cientistas não tardam a descobrir que a nova cobaia apresenta características que a tornam única. Uma particularidade pela qual há quem esteja disposto a matar.



Opinião (audiolivro):
Como fã dos contos reunidos pelos irmãos Grimm, fico sempre curiosa com as reinterpretações que os autores fazem destes clássicos.Se bem feitos, claro. E, como se pode adivinhar pela capa de Cinder e pelo nome do próprio livro, este é um recontar de Cinderella, mas não é ela a única a aparecer neste livro, ou sequer na série.

Cinder acontece  num mundo futurista, recém-formado após a IV Guerra Mundial, mas devastado por uma nova doença que ilude os cientistas da época.
Cinder, a protagonista, é uma cyborg que trabalha como mecânica de androids e é quem sustenta a madrasta e as duas irmãs. Peony, uma das irmãs, é muito amiga de Cinder mas os restantes membros da família vêem-na como um carrapato. Mesmo quando ela é a seu única fonte de rendimento.
A princípio parece que esta dinâmica familiar é muito previsível, mas a autora dá-lhe nova profundidade e o ódio da madrasta até tem a sua lógica (não que isto a torne numa personagem menos desprezível). Afinal de contas o seu falecido marido adoptou Cinder sem razão aparente e deixou-a sozinha a tomar conta de 3três crianças, e sem meio de subsistência. A autora conseguiu assim transformar a vilã em alguém cujas motivações são, de certa forma, compreensíveis.

E já que falo nas personagens, há que dizer que a autora conseguiu dar vida a um leque de personagens muito extenso e dotá-las de personalidades distintas e interessantes. Excepção feita à Raínha Levana e aos seus lacaios que, pelo menos neste primeiro volume, parecem ser pouco mais que estereótipos de vilões.
A minha personagem favorita foi a Cinder que, apesar de se parecer muito pouco com a princesa da Disney, acabou por se mostrar muito cheia de personalidade e sei que tem muito mais para mostrar, Também gostei da Peony (Coitada!) e do Kai, a pesar de ele ser o mais juvenil imperador alguma vez escrito! Ou não se portasse ele como um pirralho mimalho com a sensibiliadde política de uma ratazana. Contudo isto é compreensível, dado o que se passou para ele ter que ter estas responsabilidades políticas. Já para não falar que ele só tem dezanove anos. E, apesar de tudo, acaba por ser a personagem mais normal de todas. E a normalidade é uma cosia boa.
Mas já que falo no Kai ... aqueles encontros sucessivos, entre ele a Cinder, foram demasiado convenientes. Não dá para acreditar que no dia em que perdeu alguém tão importante ele fosse ter tempo para deambular pelo palácio à procura de um médico/cientista que já não poderia fazer nada por ele. Ele teria mais em que pensar, certamente!

Debruçando-me sobre o enredo, há que dizer que o mundo apresentado neste livro tem imensas potencialidades, especialmente no que diz respeito à relação Terra-Luna.
A autora conseguiu misturar bem a história clássica num mundo futurista, dando reviravoltas que a tornaram ainda mais interessante. No entanto, em certos aspectos acho que exagerou. Refiro-me, por exemplo, ao facto de a Cinder ser, simultaneamente Cyborg e Lunar. uma pária para terrestres e Lunares. A coitadinha mais coitadinha de todas!
Outra grande lacuna  reside no suposto imenso poder da raínha Levana que, conseguiu silenciar uma multidão de protestantes num abrir e fechar de olhos mas que, surpreendentemente, não conseguiu forçar um príncipe qualquer a casar-se com ela. Faz algum sentido? Eu acho que não.
E, já que falamos em coisas que não fazem sentido, porque é que a Cinder compactuou, desde logo, com as mentiras do Doutor? Nós até compreendemos, no fim, as motivações dele mas ela estava a mentir ao seu soberano, sem qualquer razão para tal.
Enfim, este primeiro volume é uma introdução muito rica a este mundo e tem história suficiente para nos manter o interesse durante toda a sua extensão, mesmo ficando ainda muito por responder, não é um volume que nos deixe pouco satisfeitos.

Noutro ponto, a escrita da autora é bastante acessível, descritiva e funcional. Não detalha muito a tecnologia mas  acaba por ser o suficiente. Uma coisa boa é o não focar-se demasiado nas descrições. Fá-lo apenas na medida certa para o leitor ter uma ideia geral e depois preencher o resto com a sua imaginação.

Em suma, Cinder proporcionou-me várias horas de diversão. Tem um início muito bom, que integra logo o leitor no mundo futurista e lhe apresenta as personagens mais relevantes de forma dinâmica.
Com um mundo cheio de promessas, personagens que queremos continuar a seguir, e um enredo que nos prende, Cinder surpreender-me por não ser mais um romance lamechas para jovens, e mostrar maturidade narrativa, apesar de os seus protagonistas continuarem a ser e a portarem-se como adolescentes. Mal posso esperar para ler o próximo volume!

Narração (Rebecca Soler):
Um bom trabalho de voz, que soube dar vida a personagens bem diferentes e que não foi demasiado intrometida na história, nem demasiado passiva.

Booktrailer (inglês):


E porque acho que o booktrailer polaco ficou melhor, deixo-o também aqui:

segunda-feira, 21 de abril de 2014

Daughter of Smoke and Bone

"Daughter of Smoke and Bone (Daughter os Smoke and Bone 1)", de Laini Taylor (publicado em Portugal pela Porto Editora, com o título "A Quimera de Praga")

Sinopse (inglês):
Pelos quatro cantos do mundo, marcas de mãos negras começam a aparecer nas portas, gravadas a fogo por estranhos seres alados, saídos de uma fenda no céu.
 Numa loja escura e empoeirada, o abastecimento de dentes humanos de um demónio começa a ficar perigosamente reduzido. E nas ruelas labirínticas de Praga, uma jovem está prestes a embarcar numa jornada sem retorno.
O seu nome é Karou. Karou não sabe quem é, nem porque vive dividida entre o mundo humano e a sua família de demónios, mas crê que as respostas podem estar para lá de uma porta nos recantos sombrios de uma loja, ou no confronto com um completo desconhecido, de olhar abrasador e aparência divina - o anjo que queimou as entradas para o seu mundo, deixando-a só.
Primeiro lugar de vendas da Amazon na categoria de «Jovens Adultos» em 2011.

Opinião (audiolivro):
Daughter of Smoke and Bone combina vários credos e mitologias, criando um fabuloso mundo novo que se mistura bem com o nossos moderno (dando origem a uma fantasia urbana credível) que me prendeu desde a primeira página. Temos quimeras, magia, anjos e estes, por sua vez, crêem em deuses diferentes.
A mitologia que a autora criou para estes livros é bela, se bem que também cruel, como qualquer mitologia que se preze, e está muito bem explorada. Isso torna-a credível. Este é, sem dúvida, o ponto forte do livro e aquilo que mais me despertou o interesse.

A trama revela-se por camadas, tipo cebola. A princípio conhecemos a normalidade, ou o que se pode considerar rotineiro na vida de Karou (a protagonista). E, depois, vem o caos. Por isso ... típico!
A autora tenta manter o suspense constante ao longo do livro mas, a maior parte das vezes, acaba por falhar, pelo simples facto de todos os mistérios serem imensamente previsíveis e banais. O suposto grande segredo da trama (*ATENÇÃO: SPOILER*) O facto de a Karou ser a reencarnação da Madrigal, que é o grande amor de Akiva, é do mais sobre-usado que existe e, para mim, foi um murro no estômago. Esperava, desejava mesmo, que a autora tivesse escolhido uma rota diferente e se revelasse, no fim,que a Karou era antes filha da Madrigal com o Akiva. Isso sim seria diferente, inovador! Isso sim me faria gostar da história a um nível completamente diferente. (*FIM DE SPOILER*)
Contudo, fora isto, o restante desenrolar da trama foi interessante. A guerra entre quimeras e anjos seria ainda mais impressionante se soubéssemos realmente mais sobre ela. Assim sendo, apenas parece prometer intensidade, pois dela nada vemos, só escutamos relatos destituídos de intensidade, de drama, de veracidade.
Do que realmente gostei foi da vida de Karou em Praga, e da sua família quimera. Esses sim foram momentos memoráveis e com bastante desenvolvimento.

E, já que menciono a família, falo seguidamente das personagens: a minha favorita foi, sem sombra de dúvida, o Brimstone, a personagem mais intrigante de todo o livro; a menos favorita foi o Akiva, que é um estereótipo ambulante (o bad-boy com um passado traumático e problemas parentais profundos). Podia ser mais cliché?
Karou, por sua vez, mostrou-se uma protagonista interessante e com quem foi fácil me relacionar, especialmente por ser artista. Como adolescente tinha os seus momentos, mas estes eram mais divertidos que outra coisa, (*ATENÇÃO: SPOILER*) já que a sua vida anterior, ou melhor dizendo, a sua personalidade anterior (Madrigal), aborreceu-me. Se por um lado parecia mais madura, ou não fosse o caos de ela lidar com a morte todos os dias, por outro era uma garota parva, que fazia o que os outros queriam que ela fizesse (ex: aquela cena das amigas a vestirem como uma ... prostituta (ou pelo menos foi isso que a descrição deu a entender) e ainda por cima a cobrirem de açúcar, foi ridícula! Mas o pior é que não condizia nada com o que sabíamos da sua personalidade até aí. (*FIM DE SPOILER*)
Por outro lado, a relação da Madrigal com o Akiva até me pareceu moderadamente credível, se bem que demasiado rápida e demasiado estúpida. Afinal será que eles acreditavam mesmo que podiam continuar assim muito tempo? No entanto não consegui, de forma alguma, encaixar o relacionamento da Karou com o Akiva, já que, da primeira vez que se conheceram ele quase a matou, e só não o fez porque ela conseguiu fugir. Como é que a autora quer que o relacionamento dos dois pareça credível? (Faz-me lembrar a Eona e o Ido, no "Eona" da Alison Goodman) Depois, assim do nada, o Akiva vai à procura da Karou e, quando a encontra parece um cachorrinho, contando-lhe sobre a sua infância infeliz. Por favor! Menos mal que a Karou lhe deu porrada quando o viu novamente.
Resumindo: Brimstone, Issa e Karou estão aprovados: Akiva, Thiago e Madrigal não estão aprovados.

Em termos de escrita, a autora é suficientemente  descritiva para que o leitor se sinta transportado para Praga, Paris, para o outros mundo. Muito bom! No entanto a obsessão da autora com a beleza física das personagens é irritante! A atracção entre elas baseia-se unicamente na beleza descomunal do Akiva, da Karou, da Madrigal e do Thiago. Os comentários eram tão frequentes que enjoavam. Por outro lado, o grotesco de outras personagens era descrito até à exaustão.
Num pequeno à parte eu teria ficado muito mais interessada se o interesse amoroso da Madrigal, por exemplo, fosse o Brimstone. Tanto potencial!

Em suma, The Daughter of Smoke and Bone apresenta um mundo rico e cheio de potencialidades, tem algumas personagens intrigantes e um enredo que pode vir a ser muito bom, se for explorado convenientemente. No entanto, este primeiro volume cai em facilidades e, na segunda metade do livro, debruça-se demasiado sobre um romance  desinteressante e cliché, apoiado-se num interesse amoroso genérico e previsível demais.
Foi uma leitura que entreteve, com belíssimas descrições de cidades europeias e inventadas, mas que, no seu final, não surpreendeu. Tenho alguma curiosidade quanto à sequela mas não faz parte das minhas prioridades de leitura, de momento.

Narração (Khristine Hvam):
Gostei muito da narradora e da voz que deu às personagens e à história, em especial a voz do Brimstone que tinha uma cadência brilhante.
A narradora, Khristine Hvam, fez um bom trabalho nesta adaptação para audiolivro. Recomendo!

Booktrailer:


Pequenos trailers (oficiais) das personagens: Brimstone, Akiva, Issa, Zuzana.

segunda-feira, 14 de abril de 2014

Antologia Halloween

"Halloween", antologia de contos de Carina Portugal, Carlos Silva, Liliana Novais, Pedro Pereira, Sara Farinha, Vitor Frazão (ebook)

Sinopse:
Seis escritores portugueses, de fantasia e ficção científica, exploram o Halloween, em toda a sua ligação com o fantástico e o desconhecido.

Opinião:
Seguem-se as opinião individuais dos contos e, no fim, uma opinião geral.

A Menina que não Gostava de Doces, de Carina Portugal
Adorei este conto. Não era nada do que parecia a princípio. Divertiu-me mas, ao mesmo tempo, o tema era sério. Bem escrito, mostrou uma excelente protagonista da qual gostaria de ler mais aventuras.

Morte Branca, de Liliana Novais
Nem sei muito bem o que dizer em relação a este texto. Apressado. Sem nexo, E confuso, mas de uma forma desagradável. O final é .. err ... ridículo, mas o conceito em si não é melhor. E já agora, porquê um coelho?

Bruxaria, de Pedro Pereira
Um texto grotesco mas bem escrito. Suponho que essa fosse a ideia.

A Noite de Todas as Sombras, de Sara Farinha
Gostei da prosa mas a história sabe a pouco. É demasiado vaga e eu não gostei do final.

Chehkov's Gun, de Carlos Silva
Um conto intenso, bem escrito e empolgante. O final não podia ser melhor

Se uma Árvore cai na Floresta, de Vítor Frazão
Mais um conto muito grotesco mas, igualmente, muito interessante. Mais uma vez o autor, Vítor Frazão, pegou numa personagem mitológica pouco usual e escreveu-a de forma brilhante. Gostei.

Em suma, uma antologia bem conseguida, com contos muitos interessantes e alguns que definitivamente me ficarão na memória. Os favorios foram: "A Menina que não Gostava de Doces" e "Se uma Árvore cai na Floresta".

domingo, 13 de abril de 2014

Antologia 7 Virtudes

"7 Virtudes", de Ana Ferreira, Carina Portugal, Carlos Silva, Pedro Cipriano, Pedro Pereira e Sara Farinha (ebook)

Sinopse:
Seis escritores portugueses, de fantasia e ficção científica, exploram 7 Virtudes: Castidade, Generosidade, Temperança, Diligência, Paciência, Caridade e Humildade

Opinião:
Mais uma antologia do grupo Fantasy & Co. Como já é costume, deixo opiniões individuais e, no final uma opinião geral.

Castidade, de Sara Farinha
Um conto bem escrito, passado num mundo curioso e com personagens interessantes mas ... que raio de final é aquele? Parece que ficamos a meio da história, sem a promessa de haver continuação. Onde está o resto?

O Protótipo (Generosidade), de Pedro Cipriano
O conto em si está bem escrito e a ideia é interessante mas não chegamos a perceber as motivações  do protagonista e por isso o fim não impressiona. A prosa pouco dinâmica também não ajuda.

O que não Cura, Satisfaz (Temperança), de Ana Ferreira
Sensual e pouco convencional. Um conto interessante que gostei de ler, apesar de que gostaria de ter sabido algo mais sobre a restante vida da protagonista.

Diligência, de Carlos Silva
Passado num mundo promissor (ferradentes = gostei), tem também uma história eficaz. No entanto foi um conto que não me marcou.

O Paciente é o mais Forte (Paciência), de Pedro Pereira
Este conto parece uma daquelas histórias de auto-ajuda (tipo Paulo Coelho, ou coisa parecida; não que tenha algo contra). Contudo este texto não me tocou, nem marcou.

Corpo, Alma e Coração (Caridade), de Carina Portugal
Uma história muito estranha, que pouco tem a ver com a virtude em questão (Caridade). Um texto muito estranho, com boa escrita mas que, no fim, é tão somente bizarro.

O Documento (Humildade), de Ana Ferreira
Talvez por conhecer a autora e o seu trabalho, este conto me pareceu mais um sermão, um desabafo, do que propriamente ficção. Além do mais não tem nada de fantasia. Não me tocou, no entanto fez bem o trabalho de representar a virtude em questão (Humildade).

Em suma, está aqui mais uma antologia interessante deste grupo de escritores. Nem todos estão ao mesmo nível mas existem aqui trabalhos dignos de nota, especialmente "Castidade" e "O que não Cura, Satisfaz".

domingo, 6 de abril de 2014

Cemitério de Pianos

"Cemitério de Pianos", de José Luís Peixoto (Bertrand)

Sinopse:
Cemitério de Pianos é o quarto romance de José Luís Peixoto. Os narradores, pai e filho, desvendam a história da família, que vive em Lisboa, e falam da morte: a morte como destino irremediável, ciclo ininterrupto, renovação e elo entre gerações.

Opinião:
José Luís Peixoto é um dos mais aclamados escritores portugueses da actualidade, mas eu ainda não tinha lido nenhum dos seus trabalhos. Esta primeira incursão foi culpa do Clube de Leitura de Braga que escolheu este Cemitério de Pianos como leitura de Fevereiro 2014 (discutido a 1 de Março).

A princípio, confesso, não fiquei rendida à história, e menos ainda à escrita do autor, mas no final o hábito já se havia assentado e a leitura fluiu com mais naturalidade.

O enredo familiar é bastante simples, na sua cerne, mas da forma como o autor a apresenta acaba por parecer bastante complexo. É a história de três gerações (que quase parecem apenas duas), ou mais propriamente de três homens: avó, pai e filho; e daqueles que os rodeiam no seio familiar.
Apesar de ter apreciado a dinâmica da família e de a repetição dos erros que se traduz de uma geração para a seguinte, achei que, nesse campo da repetição, houve um grande exagero. Pois por mais que possam cair nas mesmas ciladas e espelhar as vidas uns dos outros, nunca serão tão semelhantes e quase, diria, indistintos, como o livro narra. Era quase como se estivesse a ler uma vida e não três, embora a do neto acabasse por ter sido um pouco diferente. E por mais que este resultado seja propositado, para mim, enquanto leitora, não funcionou. Queria evolução, mesmo na repetição.

E porque existe este jogo de similaridades, passo já ao campo das personagens e não posso dizê-lo de outra maneira que não seja: São todas iguais! Quero com isto dizer que temos três modelos: o narrador; o irmão/tio do narrador; a mulher (que inclui não só a esposa, mas as irmãs e todas as outras que por ali aparecem; estão todas metidas no mesmo saco). E depois temos estes três modelos lançados no meio do texto, em supostas diferentes personagens, mas sem nunca serem efectivamente únicas. Isto faz com que nenhuma seja memorável. Excepção feita ao Lázaro (o atleta, o neto), que acabou por ser o único que foi ... único. E isto, creio eu, deve-se ao facto de ele ser baseado levemente no verdadeiro atleta, e julgo que o autor teve mais atenção nele que nos restantes. Pelo menos é isso que transparece.

Isto leva-me a falar da prosa. O autor tem uma escrita cuidadosa, pensada mas que, sumariamente, se mostra repetitiva. E, desse modo, menos não seria de esperar numa trama tão uniforme. Existem passagens verdadeiramente belas, excertos memoráveis e esta é, sem dúvida, uma obra literária, naquilo que se espera de uma obra literária de referência (incluindo algumas manias que ignoram a gramática de forma propositada, só para serem únicas), mas que não é algo que eu aprecia de sobremaneira.

Como já disse, no início não gostei, depois habituei-me e, lá para o fim, acabei por a apreciar, de certa maneira. Mas a verdade é que a forma de contar a história e a escrita poucas vezes me arrebataram. Excepções feitas em determinados momentos e em certas escolhas que funcionaram bem para a trama e para as personagens.
Mas, mais que o seu estilo de escrita, o que notei foi o estilo narrativo. Quando apareceram as cenas que eram interrompidas em locais sem sentido, a meio de frases, quase que imitando a sequência ilógica do pensamento humano (que troca de foco sem pré-aviso ou nexo), eu gostei! Gostei mesmo! Mas depois começou a parecer-se com um artifício forçado, como algo que não nascera assim, como se o autor tivesse manipulado o texto para obter o efeito 'choque' e 'diferença', e rapidamente o artifício começou a aborrecer-me. Talvez se não tivesse sido usado tão extensivamente, o impacto tivesse sido outro.
Mas, piores que isso foram as cenas em que a Íris, neta do narrador, tinha diálogos com o dito avó. Note-se: Ele estava morto e a servir de narrador omnipresente. Não era um fantasma!
Estas cenas foram descabidas, despropositadas, expositórias e continham alguns dos diálogos mais irritantes de todos os tempos. Um artifício desnecessário, que só tirou brilho à narrativa.

Em suma, Cemitério dos Pianos é um livro complicado, que tenta ser complexo e literário, e que, em certa medida, consegue sê-lo. Perde no entanto pelas repetições na trama e pela falta de diferença nas três vozes narrativas presentes. Pontos para a forma como usou a última maratona do atleta Lázaro para criar um texto intrincado, se bem que usado até à exaustão.
Valeu a pena a leitura mas ... esperava mais.

Livro requisitado à Biblioteca Municipal de Barcelos.

quinta-feira, 3 de abril de 2014

Clube de Leitura de Braga - Abril 2014

Este sábado, dia 5 de Abril de 2014, o Clube de Leitura de Braga volta a reunir-se. Desta vez o livro em discussão é "O Décimo Terceiro Conto" da Diane Setterfield.

Começamos às 15 horas, na Bertrand do Liberdade Street Fashion, no centro da cidade de Braga. Apareçam!

LinkWithin

Related Posts with Thumbnails