quinta-feira, 29 de março de 2012

Paris no Século XX

"Paris no Século XX", de Jules Verne [Júlio Verne] (publicado em Portugal pela editora Bertrand)

Sinopse:
É precisamente neste livro escrito em 1863 e cuja acção se situa em Paris no ano de 1960, que Jules Verne se afirma como um romancista de antecipação. A visão contrastada de uma civilização urbana, ao mesmo tempo admirável pela sua tecnologia e totalmente “desculturizada”, é a chave deste romance negro que nos dá a exacta medida do fabuloso talento de um dos maiores romancistas de todos os tempos.

Opinião (audiobook):
Julgo que esta será a primeira vez em que um livro cujas personagens são tão fracas me consegue cativar simplesmente pelo mundo que apresenta.
Nunca tinha lido nada da autoria de Jules Verne (mais conhecido por cá como Júlio Verne), embora como quase toda a gente conheça o seu trabalho, seja por filmes (reais e animados) seja pela influência que os seus trabalhos tiveram noutras artes e que se vêem um pouco por todo o lado.
Daí que tenha partido para esta leitura ignorante do estilo do autor, se bem que consciente da genialidade do mesmo.

Em termos narrativos posso dizer que a história nada tem de especial. O enredo é simples e sem grandes acontecimentos, além de a trama estar contada num tom algo plácido que cria um distanciamento entre o leitor e a acção (por pouca que esta seja). Temos um comum sonhador, um poeta num futuro em que as letras estão mortas e os artistas morrem de fome. 
Não posso no entanto dizer que a história em si é desprovida de interesse, pois são os acontecimentos que permitem ao leitor ver o mundo que Jules Verne imaginou.
Pessoalmente fiquei surpreendida com o final, não por ser inesperado, mas porque em parte não acreditava que o autor fosse por esse caminho.
Por outro lado o mundo que o autor nos apresenta é rico em detalhes, pensado ao pormenor e estranhamente verossímil. Jules Verne pode ter-se baseado nas descobertas do seu tempo para criar este futuro distópico em que as artes mirram frente ao progresso industrial, mas a verdade é que só uma mente brilhante poderia ter imaginado tal cenário há mais de 100 anos atrás.Muitos poderão argumentar que a visão futurista do autor nada tem a ver com a realidade de hoje, mas será essa a verdade? A indústria não cresce de forma exponencial? O que se faz hoje em dia sem recurso à energia (eléctrica ou outra)? As cidades não se estendem até ao infinito, quase sem o vislumbre da natureza? Não temos nós alguns dos Invernos mais rigorosos dos últimos séculos e não estão as pessoas mais preocupadas com os lucros do que com as artes?
Em muitos pontos a visão de Jules Verne falhou (a literatura não só não desapareceu, como está cada vez mais abrangente e chega a todo o lado), mas talvez na altura em que escreveu o livro (1863) as perspectivas não fossem muito animadoras aos olhos do autor.
O mundo que Jules Verne criou com tanto detalhe e tanta curiosidade deixou-me rendida. Apesar de todas as menções (por vezes algo fatídicas) de grandes nomes da literatura, jornalismo, música, entre outros (muitos dos quais infelizmente não reconheço) tudo empalidece quando viajamos pelas ruas de Paris na companhia de Dufrénoy.

Quanto à personagens, confesso que não desgostei de nenhuma em particular. Jules Verne alicercou-se um pouco em estereótipos (o sonhador, o trabalhador, o calculista, o conformado, a bela donzela) mas a verdade é que se nota algo mais nas personagens. Pena é que Jules Verne não o explora, focando-se no mundo e dessa forma despindo as personagens de algo que as destaque. Nesse contexto são certamente dos pontos mais fracos do livro.

A escrita do autor é bastante directa mas suficientemente rica para nos imergir na Paris do século XX que o autor tão bem imaginou. Já em termos de história, como mencionado acima, deixa um pouco a desejar, mas essa é uma questão de estrutura e não narrativa. 
Os diálogos são muito 'literários', talvez mesmo pouco naturais, mas se tivermos em conta que tal deveria ser comum na época em que este livro foi escrito, torna-se aceitável. Talvez Jules Verne não tenha percepcionado de forma tão marcada que também a língua, assim como o mundo, evoluem por vezes muito rapidamente. Ainda assim, não são diálogos incómodos e chatos, apenas ... formais.
Também deixo uma nota para a introdução de Richard Howard que é interessante na forma como apresenta o autor, a sua obra e o contexto histórico em que este livro se insere. Ainda assim, pareceu-me algo morosa. Talvez se fosse um pouco mais sucinta, fosse ainda mais interessante.

Em suma, este é um livro que gostei de escutar (pois 'li-o' em formato audiobook) e que me deixou o interesse para ler mais do autor (tenho três livros dele em casa). A Paris que visitamos nesta história é distópica, mas não deixa de ser bela e é sempre impressionante perceber que este livro foi escrito à quase 150 anos atrás. Um autor a revisitar mas que, pelo menos neste livro, poderia ter incutido um pouco mais de singularidade às personagens e à trama.
 
Narração Audiobook (Bill Wallace):
Posso dizer que uma boa parte do meu entusiasmo com este livro se deveu a este senhor (Bill Wallace). Este narrador soube dar vida às ruas de Paris e até mesmo às personagens. Com uma excelente entoação e dicção, é um gosto escutar este narrador a ler com paixão e respeito o livro de Jules Verne.
Para terminar tenho de mencionar as notas finais (que devem advir da edição em papel) que estão exemplarmente completas. Um trabalho assim dá gosto e é apreciada mesmo que não lhe demos qualquer seguimento.

---- Links relacionados: Site Jules Verne Portugal -- Wook -- BookDepository COM --- BookDepository UK -- Amazon UK --

TAG - 11 respostas

Recebi recentemente a atribuição do Nobel do desafio TAG - 11 respostas, da parte da Patrícia do Chá da Meia-Noite e da Ne do do Ler por Gosto não Cansa. Obrigada meninas!
Regras:
1. Criar um post e responder às questões de quem te deu a TAG no post;
2. Criar 11 novas perguntinhas diferentes para passar adiante;
3. Escolher 11 bloggers para dar a TAG e colocar o link dela no post;
4. Ir para a página das bloggers selecionadas e dizer-lhes que foram tagueadas;
5. Não se pode taguear a blogger que nos indicou a TAG;
6. Avisar a blogger que nos passou a TAG quando fizermos o post sobre a mesma.
Perguntas da Patrícia (Chá da Meia-Noite):
1 - Séries ou Filmes?
- Séries! Embora os filmes sejam bons para quando não me quero comprometer com algo novo e que pode durar 15 temporadas. 
2 - Preferes viver no mundo da fantasia ou na realidade?
- Não há escolha, porque a fantasia só o é por não ser real. Se o mundo de fantasia fosse o real então o real passava a ser o fantasia e, bem ... nunca mais saiamos daqui. Para descomplicar, prefiro o real, por ser o que tenho.
3 - Imagina que podias construir a tua própria biblioteca particular. Como seria? Que livros teria? Como a decoravas?

- Eu tenho uma biblioteca particular, constituída por duas estantes azuis e cerca de ... 500+ livros, fora as 350+ Bandas Desenhadas armazenadas debaixo da cama. Mas se pudesse escolher queria uma biblioteca privada como a que o Monstro tinha no filme "A Bela e o Monstro". Ah, que maravilha! Enchia-a de tudo: ficção, não-ficção, dicionários, enciclopédias, literatura clássica, contemporânea, papiros antigos. Eu sei lá! Tudo!
4 - Ilustrar ou Escrever?

- Quatro anos atrás esta pergunta seria mais difícil, agora é um pouco mais fácil. Escrever, sem sombra de dúvida. A minha paixão é a escrita e não a troco por nada, nem mesmo a leitura.
5 - O que te levou a escrever sobre livros no blogue, (ou a começar um blogue literário)?

- Quando comecei a ler com regularidade e a ler mais blogs sobre livros, achei que seria giro registar as minhas opiniões num cantinho só meu onde outros pudessem vir comentar e argumentar as minhas opiniões. Dá trabalho, mas vale a pena.
6 - Qual é a tarefa doméstica que mais abominas?

- Lavar a casa-de-banho. ODEIO! Infelizmente calha-me sempre a mim. :(
7 - Onde queres estar daqui a dez anos?

- Numa casa minha, onde tenha um escritório-biblioteca  um jardim. Com a vida organizada e tempo para escrever. Com vários livros publicados (com sucesso). Ah!, e com um jipe à porta. :)
8 - Qual foi o teu primeiro livro preferido?

- "Ruby" de V.C. Andrews. Que ainda hoje é um dos livros que sei que mais me influenciou a nível de escrita e mesmo de leituras subsequentes.
9 - Tendo em conta o teu ritmo de leitura até hoje, quantos livros pensas ter lido daqui por 5 anos (mais ou menos)?

- Se conseguisse ler como no ano passado, diria 500, mas ao ritmo que levo este ano, aposto mais em 300 livros. Fora as bandas desenhadas e mangas que devo ler outros tanto (ou mais).
10 - Qual a melhor maneira de incentivar uma pessoa a ler, ou de "criar" hábitos de leitura numa pessoa que não gosta de ler?

- Pergunta difícil! Eu acho que é de pequenino que se torce o pepino, por isso se as crianças forem habituadas a ler (ou a que lhes leiam) desde pequenas, elas vão crescer a ler e quando chegarem a adultos continuarão. No entanto para os adultos, julgo que é preciso descobrir o que a pessoa gosta (fora de leituras, tipo: jardinagem, cozinha, etc.) e oferecer-lhe algo que esteja em conformidade com isso, em ficção ou não ficção. Por exemplo, a quem gosta de culinária, oferecer o "Júlia e Julie" ou o "Como água para chocolate", a quem gosta de jardinagem oferecer o "o Fiel Jardineiro" ou o "Jardim Encantado", e por aí fora. Claro que é sempre mais fácil falar do que fazer, mas é um bom ponto de começo.
11 - O que fazes para quebrar a rotina?
- Gosto de passear e respirar o ar puro, observar a natureza e fechar os olhos para escutar os sons que me rodeiam e o vento que sopra.
Perguntas da Ne (Ler por Gosto não Cansa)
1 - Que género de livros preferes?
- Fantasia ou Ficção Científica são os meus géneros favoritos, mas não me cinjo a estes e gosto de ficção em geral. Dentro da Fantasia, prefiro o Realismo Mágico/Fantasia Urbana e Romance Paranormal.
2 - Que género de filmes preferes?
- Dantes tinha preferência pelo terror, mas agora prefiro ficção científica e animação (2D de preferência) assim como dramas.
3 - Que estás a ler agora?
- "Graphic Storytelling and Visual Narrative" do Will Eisner e também "Pantheons" do E.J. Dabel. O primeiro ainda estou a começar, o segundo já estou a mais de meio e não está a ser tão interessante como esperava, mas logo verei se melhora antes do final.
4 - Que série estás a seguir?
- Ui, se fosse a nomear todas não saia daqui hoje. A sério!, sigo séries a mais. As que sigo com mais atenção de momento são: Criminal Minds, Castle, Once upon a time, Supernatural, Grimm, Misfits e Being Human.
5 - Vais ver o filme The Hunger Games?
- Conto ir ver esta semana e estou entusiasmada (e reticente). espero mesmo que valha a pena porque o primeiro livro foi muito bom.
6 - Preferes lavar ou secar a loiça?
- Lavar. Aliás adoro lavar a louça, mas como normalmente sou euq eu cozinho, raramente lavo a louça (e ainda bem).
7 - Quando fores grande queres ser o quê?
- Aha! Já sou grande há alguns anos, mas gostaria de ser uma escritora publicada e com sucesso, aqui e lá fora (deixem-me sonhar!)
8 - Jogas no Euromilhões?
- De vez em quando, sempre com 'sociedade' mas nunca ganhei grande coisa (a sorte não quer nada comigo).
9 - Quantos livros compras por mês?
- Mais do que devia! Não sei bem, mas entre 5 a 10.
10 - Já preferes livros clássicos ou recentes?
- No geral prefiro contemporâneos, mas gosto também de ler clássicos, especialmente pelo gosto de descobrir o que os tornou clássicos.
11 - Preferes comprar ou ler emprestado?
- Sou uma confessa consumista de livros, por isso prefiro comprar. Especialmente porque sempre que leio um livro emprestado e gosto dele, acabo por o comprar na mesma para o ter na estante e poder reler um dia.

As minhas perguntas para os outros responderem:
1 - Qual foi o último livro que leste  e que amaste?
2 - Qual foi o último livro que leste que não gostaste?
3 -  Gostas de adaptações de livros ao pequeno e grande ecrã?
4 - És capaz de deixar um livro a meio se não estiveres a gostar?
5 - Usas marcadores de livros ou dobras as páginas?
6 - Qual foi o último livro que ofereceste (e a quem)?
7 - Qual a tua personagem literária favorita?
8 -  Se fosses um livro, de que género/formato/grossura/editor/linguagem serias?
9 - Tens algum livro autografado?
10 - Quantos livros achas que já leste até hoje?
11 -  Quantos livros tens para ler em casa?

Não vou fazer link a ninguém (acho que já quase toda a gente respondeu a isto. Por isso façam o favor, quem assim o desejar, de pegar nas perguntas e responder, ou no seu blog ou em comentário aqui. Aberto a todos!

quarta-feira, 28 de março de 2012

Alan Moore's Writing for Comics

"Writing for Comics", Alan Moore (ainda não publicado em Portugal)

Sinopse:
Um pequeno livro em formato comic-book (com poucas páginas) em que Alan Moore (o celebrado autor de "Watchmen", "V de Vendetta", "Swamp Thing", entre outros) fala da sua experiência enquanto guionista de BD e dá algumas dicas sobre a arte de escrever BDs.

Opinião:
Neste pequeno fascículo (quase não se lhe pode chamar livro) Alan Moore fala um pouco sobre todo o processo de criação de um guião.
Apesar de este processo ser bastante pessoal e limitado à forma de trabalhar do autor (e consequentemente poderá não ser interessante para todos os guionistas/escritores), confesso que gostei muito.
É pequeno, conciso mas tem vários pontos de interesse, em que destaco a secção da construção de mundos, da caracterização de personagens e da transição de vinhetas/pranchas.

Apesar de claramente estar direccionado a autores de BD, este livro poderá ser também uma leitura interessante para escritores de prosa e até mesmo para quem não escreve e apenas aprecia a arte da BD.
Talvez por ser curto (apesar de limitado a nível de abrangência) torna-se uma leitura fácil e divertida. Percebe-se a paixão de Alan Moore pela a arte dos quadradinhos e isso passa para o leitor.

Em suma, apesar de se tornar demasiado curta e de cingir á visão do autor (ou não fosse o título "Alan Moore's Writing for Comics") é uma leitura muito interessante com alguns pontos excelentes e algumas técnicas que pretendo reproduzir (nomeadamente a parte da interiorização e caracterização das personagens). Fiquei com vontade de ler mais, apesar de achar que se fosse mais abrangente poderia chegar a um público mais vasto, não deixa ainda assim de ser um manual de dicas de referência para quem pensa aventurar-se na escrita de guiões para a nona arte.

Ilustrações (Juan Jose Ryp):
Num estilo muito americano o artista apresenta-nos uma excelente capa que demonstra perfeitamente o tema do 'livro', sem o auxílio do título,
Já as ilustrações interiores, apesar de igualmente interessantes, muitas vezes nada têm a ver com o texto associado o que cria uma certa discrepância.

segunda-feira, 26 de março de 2012

Understanding Comics: The Invisible Art

"Understanding Comics: The Invisible Art", de Scott McCloud (ainda não publicado em Portugal)

Opinião:

Em preparação para o desafio ScriptFrenzy (entre 1 e 30 de Março) comecei a leitura de alguns livros que se debruçam sobre a temática da banda desenhada e mais propriamente sobre a escrita de guiões de BD.
O primeiro seleccionado foi “Understanding Comics – The Invisible Art” do Scott McCloud.  
Não sei ao certo o que esperava deste livro, mas posso dizer que não contava que fosse o que é.
Este livro fala um pouco sobre tudo que tem a ver com a arte da BD e a sua interpretação, assim como a forma que percepcionada e avaliada pela sociedade.
Scott McCloud consegue, num livro, falar de história, de arte, de literatura, de interpretação  e de um sem número de outras vertentes ligadas de forma mais ou menos visível à arte da banda desenhada. Sem nunca se tornar aborrecido e com uma sincronia total entre palavras e imagem (o melhor do livro é ver esta simbiose), este livro fará as delícias dos que já gostam da BD e talvez em particular dos que gostam de desenhar/escrever BD.
No entanto, para todos os outros, que nunca tiveram contacto com a nona arte ou que nunca viram nela grande brilhantismo, este livro talvez pareça maçudo e sem interesse. Nesse aspecto não será um grande ponto de partida para a arte de amar a BD, mas poderá talvez aprofundar o carinho e visão que certas pessoas já têm da arte.

Em suma, é um livro muito interessante sobre a BD em geral e que certamente agradará a quem ama a nona arte, mas que não me parece ser potencial material de curiosidade para a restante população.
Vale a pena (se qualquer dúvida)!

segunda-feira, 19 de março de 2012

O Fim Chega Numa Manhã de Nevoeiro

"O Fim Chega Numa Manhã de Nevoeiro (site)", de Renato Carreira (Saída de Emergência)

Sinopse:
Quando um grupo de feiticeiros renegados decide despertar uma personagem maldita da história portuguesa para cumprir uma profecia de séculos, Baltazar Mendes (investigador policial a quem acusaram de loucura!) vê-se envolvido contra sua vontade num conflito mortal em que nem todos os oponentes são humanos. Tudo dependerá de si porque, se a profecia se cumprir e o desejado regressar, o fim chegará numa manhã de nevoeiro. Uma aventura frenética, metade thriller, metade fantasia, que apresenta uma nova e talentosa voz do fantástico nacional. 
Acontecem coisas sinistras pelas ruas de Lisboa. Coisas que nos escapam ou que preferimos ignorar por falta de explicação. Também Baltazar Mendes as ignoraria, se pudesse, e talvez assim não se visse tristemente reduzido de inspector policial a sujeito compulsivo de uma avaliação psiquiátrica para determinar se é ou não um louco assolado por delírios mirabolantes e um perigo para a sociedade. Mas sabe bem que não são delírios. A culpa é do Sr. Salcedo, um investigador paranormal que insiste em arrastá-lo para um submundo de que não quer fazer parte. E tudo porque Baltazar tem um dom. Ou uma maldição...

Opinião:
O género da Fantasia Urbana tem vindo a crescer até mesmo em Portugal, se bem que lentamente (pelo menos em comparação com estrangeiro). Apesar de já termos alguns exemplos mais genéricos, Renato Carreira usou o modelo mais 'conhecido' nos USA, como sendo, um mundo muito semelhante ao nosso, onde seres sobrenaturais vivem mais ou menos escondidos dos comuns mortais, envolto numa trama de mistério/policial que tanto pode ser lido como stand-alone (história independente) ou como parte de uma série (perdoem-me a definição um pouco genérica).

Nesse contexto o autor saiu-se bem. Temos um mistério intenso (se bem que em alguns momentos bastante previsível), uma excelente exposição de um mundo credível com criaturas de toda a espécie e bem enquadradas. Neste último ponto, devo dizer que fiquei bastante agradada, não só pela diversidade mas também pela forma como nos foram apresentados os diferentes seres sobrenaturais e como se enquadraram na sociedade.

A nível de personagens também as temos para todos os gostos. No entanto sinto que quase nenhuma foi explorada para mostrar todo o seu potencial, muito menos o detective Mendes, que apesar de ser o protagonista e narrador ficou-se apenas pelo superficial. O que o motiva? Do que gosta, do que não gosta? Qual o seu passado? Nada disto é respondido e somos apresentados apenas superficialmente a uma personagem que poderia ter várias camadas de interesse, mas que no fim parece não ter grande profundidade (talvez isto seja esclarecido na prequela?).
O mesmo sucede com quase todas as restantes personagens, exceptuando talvez o Acúrcio e o vampiro-chefe, Zacuto (não me recordo ao certo do nome), assim como o colombiano cujo nome se me escapa de momento também (eu sou péssima com nomes). Pois apesar de muito ficar por contar em relação a estes também, o que nos foi demonstrado é interessante o suficiente para os destacar mesmo em relação ao protagonista.
O que não quer dizer que não existam mais personagens curiosas (a senhoria, por exemplo :), simplesmente não marcam tanto. 

O enredo em si é interessante e tem vários pontos bons como algumas pistas bem colocadas, que de início parecem insignificantes mas mais tarde se mostram importantes e no geral a trama tem um compasso excelente que mantém o leitor agarrado ao livro.
No entanto também é um pouco previsível. E se em certos momentos isto se nota ser propositado, noutros não. Isto deve-se um pouco também ao estilo narrativo da obra. Directa, sem grandes floreados, mas também sem grandes emoções que não o sarcasmos que escorre um pouco por todas as páginas (e que muito me agradou).
As cenas de (suposto) romance estavam cruas e frias, quase se pode mesmo dizer que 'sem sal'. Não digo que isto não tenha sido propositado, mas tornou demasiado óbvio o desfecho de tal 'relação'.
Por outro lado, algumas das cenas de acção estavam escritas num compasso estranho e perdiam aquela sensação quase sufocante que deveriam transmitir. Muito disto se devia ao facto de o narrador ter pensamentos bastante extensos a meio de ditas cenas. Claro que todos sabemos que um humano pensa mais rápido do que fala, daí que seja plausível ter um certo número de pensamentos enquanto corremos pelas nossas vidas, mas até criar um monólogo interior longo vai um grande passo e simplesmente não parece credível. Isto, felizmente, não acontece sempre, mas das vezes que aconteceu quebra a 'adrenalina'.
Fora isso, todas as cenas de acção estão muito interessantes (tanto a nível de desenvolvimento como de execução) e algumas destacam-se positivamente.

A prosa do autor é, por um lado excelente (o sarcasmo e uma certa desconexão em relação aos acontecimentos são fantásticos) e por outro muito ... distante. Parece que estou a contradizer-me, mas uma coisa é distanciar a narrativa o suficiente para não ser demasiado carregada de emoções e outra coisa é retirar as emoções de todo, criando uma prosa, em certa medida, carente de carisma.
Directa e ainda assim rica (especialmente nas descrições e explicações, que não são monótonas), este é um livro que se lê com ligeireza, mas que tinha potencial para ser ainda melhor se o autor não fizesse da prosa algo tão desassociado dos acontecimentos.

Em suma, é um livro que vale a pena ler, com uma história curiosa, boa exploração do conceito e dos 'mitos', assim como uma prosa sarcástica e adequada ao  estilo da trama. Fica a vontade de ver uma sequela publicada em breve e também de ler a prequela que o autor disponibiliza gratuitamente no seu site (O Indescritível Sr. Salcedo).

Capa (Tiago da Silva), Design e Edição:
Não é segredo que gosto muito dos trabalhos do Tiago da Silva e esta capa não é excepção. Acho que está em perfeita harmonia com o tom do livro, embora a inclusão da rapariga na capa (apesar de interessante) ser ... supérfula, ou não fosse ela uma das personagens menos integrantes na trama.
Como a editora nos têm habituado, o design interior está simples e eficiente, assim como a edição, sendo que não notei gafes no livro.

Nota: Este livro foi-me emprestado pela Ana Filipa Dias (Adeselna Davies). Obrigada!

sábado, 10 de março de 2012

Compras e Ofertas - Fevereiro 2012

Já me esquecia de publicar esta lista mensal. Ai, ai ...

Grande parte dos livros que recebi por correio em Fevereiro tinham sido encomendados em Janeiro (esse sim, um verdadeiro mês de perdição), mas ainda assim os gastos foram bastante consideráveis, ao contrário do que eu prometera (a mim própria) fazer:
Compras:
- Contos Espantosos, Alexandre Dumas, Guy de Maupassant, Honoré de Balzac, Edgar Allan Poe
- Contos Imaginários, Frank L. Pollack, George R.R. Martin
- Contos Fantásticos, Elisabeth Bowen, William W. Jacobs, Walter Scott
- Contos Ficção Científica, A.E. van Vogt, J.G. Ballard
- Contos Comédia Urbana, James Joyce, Ring Lardner
- Contos Fantasia, H.G. Wells, Stephen Vincent Benét
- A Sombra do Vento, Carlos Ruiz Zafón (edição de bolso)
- Percepção, uma estranha realidade, Sara Farinha
- The Time Machine, H.G. Wells
- Lover Mine e Lover Unleashed, J.R. Ward (as edições hardcover são tão giras!)
- Understanding Comics, Scott McCloud

Ofertas (junto com a colecção de DVDs do Dartacão):
- A Minha Agenda da Caderneta de Cromos, Nuno Markl e Patrícia Furtado
-Os Três Mosqueteiros, Alexandre Dumas (com belíssimas ilustrações)

Banda Desenhada (Mangas):
- Gakuen Alice 12 e 13, Tachibana Higuchi (fico c/a colecção completa, até ao nº que foi publicado)
- Black God 07 e 09, Dall-Young Lim e Sung-Woo Park (o 8 já está esgotado; como é possível?)
- Naruto 04, Masashi Kishimoto

Estou a contar em Março manter-me mais ... contida. Para já ainda só comprei um livro (até ao dia 10, nada mau). Será que aguento?

quarta-feira, 7 de março de 2012

Antologia BBdE!

"Antologia BBdE!", de Adeselna Davies (Ana Ferreira), Joana Cardoso, Joel Puga, Marcelina (Gama) Leandro, Pedro Pedroso, R.B. Nortor, Sofia Nobre, Zé Chove

Sinopse:
Antologia de contos organizada pelo Ricardo Loureiro, através do fórum Bad Book don't Exist (BBdE), com participações de vários membros.
Os contos distribuem-se em cinco temas: O Fim; Sangue; Identidade; Cidades Reais ou Imaginárias; Naufrágios.

Opinião: 
Sendo este livro uma antologia, vou como de costume rever os contos um a um e no final dar uma opinião geral.
 
"O Fim do Sonho", Zé Chove 
Com uma prosa bem conseguida e uma sequência de acontecimentos bastante característica, o conto peca um pouco pela dispersão e aquele final foi estranho se bem que não anti-climático. Um conto que se lê bem mas que não fica na memória. 

"Rosa sobre fundo branco", Joana Augusto 
Um conto bastante curto mas com excelente ambiente e muito evocativo. Os sentimentos da protagonista saltam das páginas, no entanto teria sido interessante saber um pouco mais sobre o desastre. 'Soube' a pouco mas leu-se bem. 

"Znuff", Pedro Pedroso 
Como o título indica este é um conto um pouco grotesco que não agradará a qualquer um. No entanto não é de total mau gosto, tanto a nível de enredo como narrativo, o que faz com que seja desconfortável mas ao mesmo tempo consiga prender o leitor o suficiente para ficar até ao fim e descobrir o que ali se passa. A ideia em si é interessante e está muito bem executada. Temos um protagonista muito bem desenvolvido e restantes personagens que também conseguem sobressair. No geral foi uma boa surpresa, se bem que desconfortável de ler. 

 "Carne da minha carne, sangue do meu sangue", Sofia Nobre 
Outro conto bastante cru, se bem que não tanto como o anterior, este conto está bem conseguido porque o que ao principio parece um romance acaba por se revelar outra coisa completamente. O único senão do conto são as perguntas que ficam por responder. Apesar de intrigante, pouco é explicado o que deixa um sensação de 'e depois?'. 

"Prisão de Gelo", Adeselna Davies  (Ana Ferreira)
Esta história é daquelas que sabemos que é ficção, mas que de alguma forma parecem absolutamente verossímeis (sinceramente espanta-me que não tenha acontecido). A narrativa é quase claustrofóbica e tão focada que é como se estivéssemos na pele da protagonista (prisioneira numa instituição correctiva). O final foi extremamente agridoce, mas em concordância com o resto do conto. 

"A Cidade", R.B. Nortor 
Com um conceito interessante e uma bela execução em prosa, o conto é bastante interessante, mas senti que se arrastou um pouco no início. Gostei do final e gostei das personagens e do tom narrativo. 

"Jerusalém", Marcelina Leandro 
Tendo em atenção o tema (Cidades Reais ou Imaginárias) o texto é bastante rico, com boas descrições tanto de Jerusalém como da outra cidade), mas em termos narrativos o conto deixa bastante a desejar. A história em si é bastante interessante, mas as personagens estão mal desenvolvidas (quem é a mulher misteriosa? porque é que o protagonista quebrou as regras?) e no início a prosa é um pouco lenta, com um pouco de informação a ser despejada a mais. A sensação que fica é que este conto é o primeiro capítulo de um enorme romance e que o leitor ficou apenas com uma pequena fatia do bolo, faltando-lhe todo o recheio. Ou seja, não funciona como um conto. Necessitava de mais espaço para mostrar todo o seu potencial (que parece bem vasto). 

"Hölestern", Joel Puga 
Este é um conto com excelente prosa, boa acção (em todos os momentos) e um 'mundo' bem apresentado e muito interessante, assim como uma história bem estruturada e auto-suficiente. No entanto onde peca é nas personagens. O protagonista não sofre qualquer desenvolvimento e pouco nos é dado a saber sobre ele (de onde veio, porque fez o que fez, como tem aqueles poderes? etc.). O mesmo acontece com as outras personagens, onde estranhamente o escudeiro é o mais 'verossímil' de todos. 

Em suma, esta é uma antologia muito interessante, em que nenhum dos contos é particularmente mau e alguns são bastante bons. Todos estão bem enquadrados no tema, o que é uma mais valia e fiquei a conhecer alguns novos autores cujo trabalho tenciono seguir, assim como reli alguns que já conheço e que foi bom reencontrar noutras histórias. Vale a pena, especialmente para quem aprecia contos de fantasia/ficção científica mas também a simples ficção narrativa.

Capa, Design  Edição: 
A capa não evoca nenhum dos contos em particular, mas é suficientemente sóbria para ser interessante, apesar de um pouco ... simples.

O design interior é também ele bastante simples, mas eficiente. Apesar de esta ser uma publicação de autor, nota-se um cuidado com as margens e o espaçamento que tornam o livro agradável de folhear.

Nota: Este livro foi-me emprestado pela Ana Filipa Dias (Adeselna Davies). Obrigada!

Eu no blog Destante

Antes de publicar a próxima opinião (vem já a seguir, prometo!), tenho de vos contar uma novidade:

Fui convidada a juntar-me é equipa do blog Destante, que é um blog-comunidade onde diferentes leitores colocam as suas opiniões sobre livros e outros artigos relacionados com a literatura.
Isto não significa que vou deixar de publicar aqui. Nem pensar! Apesar de este ano as minhas leituras estarem um pouco mais lentas, o Floresta de Livros continuará a ser a 'casa' das minha opiniões literárias, e no Destante vou colocar opiniões para os mesmos livros (provavelmente tiradas daqui) e talvez participar em algumas actividades do grupo, mas não vou deixar o Floresta de Livros, de todo!
Mas é com prazer que me junto à equipa do Destante.
Visitem o Destante. É sempre interessante ler um blog onde várias vozes falam de literatura.

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