quarta-feira, 30 de março de 2011

Crónicas do novo mundo

"Crónicas do novo mundo", de José Ilídio Torres e Silva Torres (edição de autor)

Opinião:
Este foi um dos livros de autores barcelenses, que adquiri na Feira do Livro da cidade no ano passado (ler aqui). É uma edição de autor, assim pretendida pelo próprio, que queria não só incluir os 13 contos que primeiramente publicou no seu blog, como também pretendia introduzir as ilustrações do seu irmão Silva Torres.

Esta antologia é composta por pequenos contos, todos enquadrados no género da ficção científica, e, de certa forma, todos interligados. No início não me apercebi da ligação, pois só nos contos finais essa conectividade se torna evidente.

No geral gostei bastante deste livro. Não só a escrita é aguçada e de uma intensidade que lhe dá bastante interesse, como as ilustrações conseguem enriquecer um pouco mais os textos.
No entanto houve duas coisas que não gostei particularmente. Uma, o uso sucessivo de expressões da gíria, que muito dificilmente sobreviveriam ao implacável tempo. E dois, a quase 'fixação' do texto com o sexo, mais propriamente com a mulher, de tal forma que chegou em certos momentos a tornar-se ... sexista. No entanto também percebo que o sexo, em si mesmo, fosse um dos temas da antologia, e como tal nada tenho contra, simplesmente me pareceu que um pouco mais de equilíbrio teria sido ainda melhor para os contos.

O livro em si está bastante consistente e com uma escrita interessante. Agarra o leitor nas suas poucas páginas e mostra que com pequenas narrativas também se pode contar grandes histórias

A menina dança?
Lê-se quase como um monólogo, mas nele estão embutidas dúvidas existências e a busca do 'ser humano' pela perfeição, que na verdade não passa de uma ilusão. Foi um dos meus contos favoritos deste livro.

O último passageiro
O conceito está interessante e o conto começa de forma exemplar, mas algures pelo meio confundiu-se um pouco, terminando, no entanto, com grande impacto. 

O sábio
Conceito interessante, execução algo estranha. No entanto achei bem interessante a forma como o autor usou as palavras.

Faltam homens em Zarcos
Conceito pouco aproveitado, final interessante mas demasiado ... previsível? (não é bem o termo, mas parece pecar pela insegurança). Este é um conto que teria ganho com mais expressividade e maior dimensão, pois contado em tão poucas palavras perdeu originalidade e momentum. 

O elemento
Talvez eu não tenha percebido a 'mensagem' transmitida pelo último parágrafo, mas este conto pareceu-me desprovido de grande interesse e até execução. No entanto pode 'ler-se' um certo julgamento à necessidade que o homem tem de dizer que algo é seu, sem que com isso tenha necessariamente de ser só para seu serviço exclusivo. 

O olho negro de Deus
Achei piada à menção da cura para a SIDA (especialmente por ser o que era), mas de resto o conto foi superficial.

Oráculo de Asor
Um conto que se perdeu um pouco pela forma como foi contado, deixando de lado o impacto extra que poderia ter. No entanto gostei da forma como interligou não só um, mas dois dos contos anteriores, atando algumas das pontas soltas.

O falsificador
Uma ideia interessante e até bem conseguida, que terminou com uma pitada de auto-exposição que não caiu mal, mas também não trouxe grande valor à história.

O arqueólogo que escavava o futuro
O conceito está muito bom, bem pensado e bem executado. No entanto o conto pecou pela brevidade e alguma falta de profundidade

As virgens fingidas de Casta
O único propósito deste conto (que me pareceu ser mostrar como o sexo se tinha mostrado a 'moeda' de troca) perdeu significância nesta narrativa que nada fez para enaltecer a história, e que se perdeu no seu conteúdo.

Kagatakus
Mais uma vez, uma ideia interessante, mas potencial pouco aproveitado. Curto demais para ter o impacto necessário.

Anil - A prostituta
História central interessante, mas que se confundiu com o restante, e cujo propósito não deixa de ser o mesmo do "As virgens fingidas de Casta" e do "O elemento", sendo que nenhum dos três nutre de algo mais interessante que o uso das mulheres como ferramentas do sexo.
Contudo este "Anil" ainda se salvou com um final caricato


REGER 246642
Para mim este foi o conto mais fraco, e não terminou em beleza o livro. A história pareceu não ter nenhum fio condutor, tornando-se apenas um testemunho de algo sem grande importância e que pouco parece relacionado com as restantes histórias.
Classificação: 4/10

Ilustrador (Silva Torres):
Nas ilustrações contidas no livro, nota-se um claro talento, no entanto, alguns desenhos pecavam pela falta de finalização, que era bastante óbvia nos seus traços. Também notei que algumas ilustrações pouco tinham a ver com o conto, enquanto que outras retratavam na perfeição o que o autor transmitia. Esta dualidade poderia ser propositada, mas não parece sê-lo. Assim sendo tivemos trabalhos excelentes, e outros que se ficaram pelo esquecimento (não por serem mais rústicos, mas por ser clara uma menor dedicação).

O booktrailer:

3 comentários:

  1. Vim ter a esta página quase por acaso. Face às suas palavras, tenho um ou dois comentários a tecer: Em relação aos textos, não se tratam de contos, mas de crónicas.

    Em relação à ilustração, que é a parte que me toca, até poderia apenas justificar que o inacabado é conceito artístico, mas no meu entender esses "conceitos" que a arte contemporânea tanto defende são palha para o espectador. Algumas ilustrações poderão não lhe fazer muito sentido pois está à espera de ler nas imagens o mesmo que nas palavras. No entanto não esqueça que este é um trabalho de dois irmãos, há mais para ver e ler e procurar com atenção às vezes compensa. Felizmente a arte vive do seu sentido polissémico e sim, há uma dualidade intrínseca. Os próprios textos convidam a tal: Uns são mais descritivos, outros menos. Aqueles em que a linha parece inacabada foram assim deixados propositadamente, para transmitir a ideia do homem cujos valores se vão esquecendo e desaparecendo. Uma ideia transmitida na grande maioria das crónicas. Aceitaria a crítica da "menor dedicação" com todo o agrado se tivesse escrito que olhou para a imagem, mas não viu nada. A verdade é que viu e em todas as imagens é possível "ler" e absorver o que a imagem transmite no plano ético, da forma. A estética (conceito) poderá não ser tão imediata, mas também está lá, basta saber procurar.

    O meu conselho é que quando não se consegue atingir o que se busca ou entender o que se analisa, em vez de atirar no escuro pergunta-se a quem fez. Da minha parte coloco-me desde já à disposição para qualquer esclarecimento e estou certo que o meu irmão também.

    Cumprimentos e parabéns por esta página muito bem organizada. Espero que continue com o bom trabalho.

    Silva Torres

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  2. Posso concordar com um ou outro apontamento crítico que me faz aqui e que agradeço, mas não posso definitivamente concordar com a ideia que manifesta de que «o sexo estraga», muito menos posso concordar com aquilo que designa como sexista.
    Recomendo-lhe «Diário de Maria Cura» - romance meu de 2009. Vai ficar abismada como o sexo pode ser tão forte na narrativa, sendo a personagem tão feminina...
    Grato.

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  3. Silva Torres, enquanto artista amadora percebo perfeitamente o que quer dizer, mas enquanto leitora e observadora o que senti foi o que expressei.

    José Ilídio, como deve certamente saber, gostos variam de pessoas para pessoas e até de disposição em disposição. Nunca disse que não gosto de sexo e um livro não me desagrada só por ter muito sexo. Um livro pode é não me agradar tanto se, enquanto leitora, me parecer que o sexo está lá só para chocar(ou encher chouriços). Quanto à minha menção de 'sexismo' eu usei os parêntesis antes como uma espécie de aspas. Enquanto mulher e leitora senti isso em certos momentos, no entanto como deve ter notado pela minha apreciação global do livro, não foi isso que me fez desgostar do produto final.

    Obrigada a ambos pela visita.

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